sexta-feira, 26 de setembro de 2008

ENTREVISTA NO JORNAL O MOSSOROENSE 14.09.08 CADERNO UNIVERSO

Josivan BarbosaDe família humilde, Josivan Barbosa Menezes Feitosa, 45 anos, traz uma história de vida marcada por sofrimento e superação. Natural da localidade rural de Apanha Peixe, Caraúbas/RN, veio para Mossoró no ano de 1975. Uma vez instalado na cidade, chegou a trabalhar como camelô, embalador em supermercado e faxineiro na então Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), atual Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) onde hoje atua como reitor. Acolhido por Mossoró, Josivan formou família, é casado com a advogada Maria Ariget Menezes e tem dois filhos, Bruno e Renata, de 14 e 17 anos, respectivamente. Nesta entrevista acompanhe o relato de uma vida difícil, mas lapidada com estudo e perseverança.ADRIANA MORAIS adriana.morais20@hotmail.comO Mossoroense - O senhor tem uma bonita história de vida. Soube que começou na Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) como faxineiro. Poderia nos contar como foi essa vivência desde a sua infância até se tornar reitor de uma instituição federal?Josivan Barbosa - Nasci numa família de onze filhos e meu pai era bóia-fria, e como todos sabem um bóia-fria não tem um metro quadrado de terra e presta serviço só quando aparece alguma coisa. Já a minha mãe fazia vassoura de palha para vender. Nossa situação financeira era muito difícil e a minha família não era apenas pobre, ela era extremamente pobre. Morávamos num pedacinho de terreno numa casa de taipa, que tinha as portas e janelas de talo de carnaúba. OM - Quando veio para Mossoró?JB - Vivi com meus pais até os nove anos de idade em Apanha Peixe, na cidade de Caraúbas. Tive a sorte de uma irmã minha vir para Mossoró. Depois de se formar e casar, ela me convidou para morar com ela. Para se ter uma idéia de como nossa situação era difícil, para vir embora para Mossoró, eu e minha mãe andamos 18 km para chegarmos em Apodi e pedirmos dinheiro ao meu padrinho para ele me dar uma muda de roupa. OM - Ao chegar aqui, o senhor começou logo a estudar?JB - Chegando aqui eu fui estudar no Mobral, antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização. Lá só estudavam pessoas adultas e apenas uns três dias. Depois disso, fui estudar com uma professora particular, no bairro Boa Vista. Cheguei aqui em setembro de 1985 e fiquei com essa professora até o final do ano. No ano seguinte fui estudar no Educandário Presidente Kennedy e em seguida no Colégio Estadual de Mossoró, onde concluí os estudos e prestei vestibular para Agronomia na Esam.Mas, no ano anterior para fazer o vestibular eu não tinha renda alguma e fui trabalhar de camelô, no Mercado Central. Como não ganhava muito dinheiro lá, fui trabalhar em um supermercado. Passei umas semanas por lá e pedi no colégio para estudar com horário intermediário, das 10h às 14h. Chegava cedinho, às 5h da manhã todos os dias para arrumar, embalar e entregar e ficava até a hora de ir para a escola. Às 14h, eu voltava para o supermercado e ficava até 10 horas da noite. Mas, eles lá não aceitaram e disseram que só estuda quem tem condições e quem não tem vai trabalhar. Saí de lá e fui trabalhar vendendo malha para poder pagar um cursinho para mim. Estudei, passei no vestibular para Agronomia na Esam e fui morar na vila acadêmica, mas mesmo assim não tinha dinheiro para me manter.OM - Foi quando começou a trabalhar como faxineiro?JB - Sim. Fui pedir ajuda ao diretor da época, Vingt-un Rosado. E ele me conseguiu uma bolsa, onde eu ganhava o valor de 50 reais para varrer, arrumar e ficar responsável para fechar e abrir a diretoria acadêmica. Eu executava tarefas numa espécie de zelador e vigia. Permaneci um ano nessa situação. Quando foi no segundo ano do curso, fiz concurso para ser monitor de Química e em seguida fui estagiar num colégio do Estado.OM - O que o senhor fez quando terminou o curso?JB - Quando terminei o curso de Agronomia, passei quinze meses estudando para fazer o concurso para professor de Química na Esam, em 1987. Assim que passei para ser docente, tive como meta fazer mestrado. Ainda passei dois anos lecionando e saí para fazer mestrado em Minas Gerais. Retornei a Mossoró e logo depois fui fazer doutorado também em Minas Gerais, onde terminei com um tempo mais curto, de dois anos e meio. Voltei a Mossoró em 1996 e fui convidado pelo diretor da época, João Weine, para colaborar com a administração dele. Primeiramente como coordenador do curso de mestrado e depois como coordenador de pesquisa e pós-graduação. Fiquei nessa função até 2003, quando me candidatei a diretor da Esam e fiquei até 1° de agosto de 2005. Neste ano, conseguimos transformar a Esam em Universidade e fiquei como diretor e reitor pro tempore até dia 4 de agosto deste ano, quando fui nomeado reitor da Ufersa. OM - Recentemente, um candidato oposicionista da última eleição entrou na Justiça para tentar impugnar sua posse como reitor da Ufersa. Como se deu esse impasse?JB - Esse foi um momento triste dentro da administração da Universidade, pois esperávamos que nossos colegas opositores tivessem espírito democrático, respeitassem o resultado das urnas, mas me surpreendi quando um candidato que ficou em segundo lugar fez de tudo pedindo a um juiz que tirasse meu nome da lista e colocasse o dele. Até então, a gente tinha impressão de que ele tinha espírito democrático, mas não, ele tinha era sede de poder. É muito difícil você assumir os órgãos públicos quando se tem sede de poder. Você tem que ter sede para prestar um bom serviço à sociedade. Um reitor é um servidor como qualquer outro numa instituição.OM - Em apenas três anos a Ufersa passou por grandes avanços. Primeiramente deixou de ser Escola Superior com a oferta de apenas dois cursos para se tornar Universidade Federal e já disponibiliza 11 cursos. O senhor, como reitor pro tempore e agora iniciando o primeiro mandato como reitor, fez parte desse processo. Qual sua avaliação desse impulso repentino?JB - A Ufersa tem só três anos de existência e está em construção. Eu consegui conscientizar a comunidade acadêmica de que ela tinha que ampliar seu raio de atuação. Até então, ela só tinha atividade na área de ciências agrárias e agora ela já abarca as áreas de engenharia e sociais aplicadas. Tenho lutado muito junto ao Conselho Universitário para aprovar esses projetos de criação de novos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Nós temos dentro da Universidade uma oposição que é contínua e é contra a expansão, o crescimento. Temos lutado e graças a Deus temos tido sucesso e quem ganha com isso é a sociedade. Antes a Ufersa oferecia 220 vagas por ano e agora já vamos oferecer cerca de 1.500 vagas por ano. Já é um quantitativo razoável, mas pretendemos aumentar ainda mais essa oferta. Porém, é um trabalho que deve ser feito paulatinamente para não haver precipitação. OM - Como está sendo essa expansão nos outros municípios?JB - Estamos concluindo agora a construção do campus de Angicos e este é o primeiro prédio de expansão da Universidade no Estado. É importante lembrar que o dinheiro da construção da sede de Angicos não é o mesmo destinado ao campus de Mossoró. Como a verba não é dividida, então dá para você crescer ao mesmo tempo. Nós vamos correr atrás dessa verba junto ao governo federal, assim como pretendemos adquirir verba para os campi de Apodi, Limoeiro do Norte (CE), Pau dos Ferros e Ceará-mirim. OM - O curso de Direito, que foi recentemente aprovado pelo MEC, será implantado brevemente na Ufersa. Como está esse processo? JB - Eu já fui sabatinado com relação a esse curso de Direito em pelo menos 10 instâncias e as perguntas são muito parecidas. A que os construtores da OAB em Brasília fizeram foi: Como o senhor explica ter três cursos de Direito em Mossoró e ainda querer criar outro? A resposta que eu dei foi a mesma que acontece em Natal: Quantos cursos de Direito tem a capital? Ela tem pelo menos 10 cursos uma população de 800 mil habitantes. Além disso, a demanda para um outro curso de Direito em instituição pública é grande. Na Uern pelo menos 35 jovens concorrem a uma vaga, e 34 ficam de fora. O que vamos fazer é dividir por dois essa concorrência. Outro aspecto é que o curso da Ufersa não vai competir com o da Uern. Na verdade, ele vai ser um complemento para a formação dos nossos jovens naquelas áreas que não tem potencial na Universidade, como direito internacional, ambiental, digital, petróleo, agrário. No momento estamos apenas aguardando a publicação da portaria pelo ministro e dependemos de uma revista do MEC a nossas instalações. OM - Como está a relação da Ufersa com instituições de outros países?JB - A internacionalização de uma universidade só se concretiza se ela tiver qualidade. Os alunos precisam de mobilidade dentro do seu país e entre países. Além disso, há uma mobilidade bastante flexível dos nossos professores nas instituições de todo o mundo. Daqui a pouco nossos técnicos administrativos estarão com relações entre universidades também (risos). Recentemente, a Ufersa criou uma assessoria própria para trabalhar com os convênios e conexão com outros países. OM - Diante de uma vida tão difícil, qual o segredo para ter chegado onde o senhor chegou?JB - O segredo? Bem, o segredo eu acredito que seja a persistência. Parece que o sofrimento se transforma numa marca que ajuda você a lutar. Eu já disse a muitas pessoas que o filho do homem mais rido lá de Apanha Peixe chamava-se Bobó, e quando eu não tinha o que comer eu ia para a casa dele. Hoje, ele é mototaxista. Eu encontro muitos colegas meus de infância que são carroceiros, flanelinhas. Isso é uma coisa muito complicada. Você ter que presenciar essas diferenças. Muitos já vieram aqui me visitar ou pedir emprego. E me sinto como um batalhador, mas nunca deixei que minha situação financeira e as dificuldades que enfrentei pudessem sobrepor com orgulho às outras pessoas

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